terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

ADOLESCÊNCIA – MEUS 12 ANOS.

É difícil descrever aquilo que tantos anos faz para lembrar! Grão a grão, como quando escolhemos o feijão, vamos relembrando fatos passados que tantas boas recordações nos trazem. Essa é uma crônica que alegraria muito a minha mãe, se caso ela estivesse viva.
Mas, mesmo morta, tenho certeza que seu espírito de luz estará lembrando esses fatos deixados no tempo dos meus  doze  anos vividos, sofridos, aproveitados da melhor maneira que um jovem na década de quarenta poderia aproveitar.
Na minha adolescência, comecei cedo a trabalhar.  Sucumbi ao trabalho, por razões óbvias para um garoto aos 12.
Namoradinhas, dinheiro, roupas novas eu gostava e muito, cartões de crédito não existiam. Dessa forma, iniciei minha labuta na fábrica de calçados do meu avô, que na época era administrada pelos meus tios, pois meu avô querido já havia falecido.
A experiência que meu pai me fez passar, viajando sozinho num bonde camarão aos 8 anos, começava a surtir o efeito desejado.
Eu já  conhecia a cidade de S.Paulo, parte a pé e parte viajando nos bondes e outros transportes coletivos.   Assim, não foi difícil para mim me tornar um “office boy” do escritório dos meus tios que ficava na Rua Rego Freitas, no famoso Largo do Arouche.
Cedo, lá ia eu para o trabalho, pegava os documentos, duplicatas, pacotes de entrega, e outros, e partia para o centro  bancário, onde  desenvolvia minha labuta diária, até.... com certa perfeição.   Quando voltava, lá pr’o meio dia, o sol já estava a pino, e eu, praticamente já tinha realizado a contento meu trabalho de rua.
Daí, ia  almoçar , geralmente, com minha avó em sua casa,  que ficava no âmbito da fábrica.  A fábrica, com diversos oficiais de sapataria, cortadores,pespontadeiras,etc.,  chamava-se  Casa Irene.
Era uma fábrica basicamente especializada em calçados de Ballet Clássico, e o segredo que vinha desde a construção da manufatura, estava na ponta dura dos calçados que atendiam os objetivos de diversas bailarinas da época, famosas como Maria Olenewa, do corpo de baile do Teatro Municipal.
Além disso meu avô Achilles Fornazari,quando vivo, confeccionava também as fôrmas dos calçados com máquinas que havia importado da Alemanha e Itália.
Produzia também  tipos de calçados para passeio, sob medida, feitos a mão, masculinos e femininos, todos com o melhor  couro da época em geral importados, como a pelica italiana, o cromo alemão,etc.   Puro artesanato que meu avô havia desenvolvido ao longo dos anos, com a ajuda de meu pai que era, pode se dizer, o “designer” dos pés dos fregueses para confecção das fôrmas, e de um tio irmão do meu pai que era o cortador do couro para a confecção dos calçados.
É importante dizer que tanto meu pai como meu tio ajudavam na fábrica  como um bico, nas horas de folga nos dias úteis e, nos sábados e domingos.   A incumbência do meu pai, era um tanto trabalhosa e complicada, pois exigia uma certa habilidade para cálculos de uma fórmula um tanto complexa que envolvia tomar as medidas exatas dos pés dos fregueses,
e depois transferir esses dados para o papel, com cálculos e mais cálculos,usando uma máquina simples de calcular, uma régua de cálculo e pronto, esses seriam os dados que seriam inseridos nas máquinas para confecção das fôrmas.                                                   Esse trabalho de desenho incluia não só os pés normais, mas também os pés defeituosos, com calosidades  e outros males como a joanete(bolsa serosa recoberta de pele espessada), o esporão, etc.
Cheguei a presenciar fatos com determinadas freguesas que já não podiam caminhar devido aos males dos pés, e que após a confecção do sapato adaptado logicamente àquele pé doente, agradeciam meu avô como se aquilo fosse um milagre!                      
Acredite se quiser, elas saiam andando da loja do meu avô, sem dor nem qualquer incomodo!
Posso contar esses fatos, porque apesar da minha tenra idade,   me fazia sentir  um grande orgulho pelo trabalho do meu pai, dos meus tios e do meu avô.
A casa onde estava instalada a fábrica era muito grande. Na frente, meu avó adaptou a loja onde recebia as freguesas, e era também o local onde eram tiradas as medidas dos calçados.
A partir da loja nos fundos, meu avô havia transformado a casa em residência até uma parte do imóvel onde ficavam os quartos de dormir, sala de jantar, sala de estar e por fim a copa/cozinha onde minha avó Maria passava a maior parte
do dia. A partir daí já no quintal da residência, meu avô construiu a fábrica propriamente dita, um grande galpão que abrigava os oficiais de sapataria e o maquinário em geral, e , no final do terreno à mais ou menos 10 metros atrás do galpão meu avô construiu um pequeno pasto, onde colocou pequenos animais, um galinheiro, um viveiro, uma pequena horta onde exercia o seu lazer nos finais de semana.
Debaixo da casa, como em quase todas casas térreas daquela época, havia um porão que se estendia por todo o imóvel, e
se constituía, na realidade, de verdadeiras salas habitaveis, já não me lembro quantas,  um pouco úmidas é verdade, mas
que abrigavam pessoas de até 1,80 metros  de altura.     Numa das salas, talvez a  mais umida, meu avô havia construído
uma adega.  Todos os barris de carvalho com vinhos importados, os melhores, tintos, brancos, espumantes, moscatel, enfim uma....deliiiiiiiiiiiicia!   Pendurados no teto de madeira, frios em geral, salames mortadelas, e outras guloseimas alguns
feitos pela minha  avó Maria como chouriço (salame de porco,cujo recheio era misturado com sangue e curado ao
forno) outra delícia!!.....  e linguiças de diversos tipos, além de alguns tipos de picles(legumes conservados em
vinagre branco).Tudo isso meu avô conservava em sua ADEGA, que nos finais de semana era visitada constante
mente.                                                                                                                                                                                    Essa é  a parte da minha história até os 12 anos, pelo menos o que nos meus 71 anos consegui lembrar.
Essa parte da minha vida  está calcada naquilo que acreditava ser a adolescência uma época de imaturidade em  busca da maturidade.   Periodo em que me senti adulto,   não somente quanto ao peso ou altura,  mas na capacidade de raciocionar,  na força física e,   na evolução da minha personalidade.
Finalizando, foi uma extraordinária etapa da minha existência onde  descobri  a minha identidade.
Muito ainda terei a contar sobre a minha puberdade, mas hoje fico por aqui nos meus felizes 12 anos. Até breve!!

HAMILCAR MARQUES -  16/02/2011.

2 comentários:

  1. Comentário feito por Claudio Gallina,meu sobrinho:

    "Meu caro tio Hamilcar. Esse teu post me faz refletir sobre a evolução das relações trabalhistas. Independente do juizo de valores (do certo ou errado), acho que precisamos entender melhor como os jovens percebem o mercado de trabalho atual.

    Antigamente tinhamos certa rigidez de classes sociais, ate mesmo em funcao da dificuldade de se trocar / encontrar emprego. Hoje em dia não. O tempo atual - o tempo do "descartável" - trouxe junto consigo outra forma do jovem entender a vida e considerar seu emprego. O emprego deixou de ser um "Job" e passou a ser uma "task". Uma aqui, outra ali... sem muito comprometimento. Isso explica em grande parte o motivo pelo qual o jovem de hoje não tem a mesma identidade, o mesmo comprometimento e (por consequencia) o mesmo respeito com seu empregador como tinha antigamente.

    Eu - hoje na faixa dos 40 - entendo (de certa forma) essa nova forma de pensar. Acho que cabe a nós (*) entendermos e (re)aprendermos a nos relacionar dentro desse novo ambiente corporativo com os jovens transbordando de idéias e adrenalina. Precisamos saber aprender a lidar com eles, ouvir suas idéias mas estarmos atentos para o fato de que hoje eles estão conosco e amanhã trabalhando para nosso concorrente direto. De novo, sem julgarmos se isso é certo ou errado - afinal, é o fato, é o que acontece.

    (*) que, de certa forma construímos e permitimos essa nova relação trabalhista na medida em que premiamos muito mais os resultados de curto prazo e damos menos atenção a valores como "tempo de casa" e "confiança".

    Grande abraco e parabéns pela memória!!!!

    Claudio"

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  2. Prezado Hamilcar,

    Muito interessante como você retratou, com uma riqueza de detalhes, as memórias do final de sua infância / início da adolescência. Como era diferente (e, creio eu, melhor) a vida em São Paulo nos anos 40 ! Não tinha os perigos de se andar nas ruas que temos hoje...

    Creio que foi muito importante para seu amadurecimento ter começado a trabalhar e ter responsabilidades cedo. Sem dúvida isto contribuiu para forjar seu caráter !

    Vou continuar lendo seus blogs !

    Um grande abraço,
    Daniel

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