sábado, 30 de novembro de 2013

A TRANÇA E O TINTEIRO





Eu devia ter na época, meus nove anos de idade e era levado da breca! Estava cursando o Grupo Escolar, próximo a minha residência!
A classe era mista, e eu me sentava atrás de uma menina loirinha que usava uma trança na altura da cintura. Como era costume, todos os alunos vestiam uniformes. O uniforme dos meninos era um composto de blusa branca e calça curta azul-marinho e o das meninas blusas brancas e saias azul-marinho.
A menina que sentava na minha frente, era muito dengosa, e ao sentar-se jogava a trança para trás. Não bastasse isso, ela ficava o tempo todo da aula balançando a cabeça e a trança, na maioria das vezes, resvalava meu rosto, ou  ficava em cima do caderno onde eu fazia as minhas anotações.
As carteiras escolares antigamente tinham um lugar na parte de cima onde o aluno podia colocar o lápis e a caneta e, além disso, outro lugar embutido na carteira, que tinha um tinteiro de vidro com tinta azul escura para usar caneta de pena, principalmente nas aulas de desenho!
Como a trança da menina me atrapalhava muito e eu já havia pedido a ela diversas vezes que não atirasse a trança para trás, comecei a pensar uma maneira de solucionar o problema sem apelar para os professores.

Certo dia, eu não estava nos meus melhores momentos! Havia discutido com a minha mãe, e estava bastante irritado.
Ao chegar à sala de aula e sentar na minha carteira, a garota imediatamente jogou sua trança para trás atingindo meus lápis, apontados com esmero, que caíram no chão quebrando suas pontas. Muito embora chateado com o acontecido, abaixei, recolhendo os dois lápis. A coleguinha do meu lado, compadecida do acontecido, gentilmente me emprestou um lápis apontado para que eu pudesse fazer as minhas anotações durante a aula.
Passados alguns minutos,  a menina balançou novamente a trança numa atitude provocativa.  Quase que o meu lápis emprestado foi para o chão!  Dai, transtornado com o acontecido, e num gesto impensado peguei a ponta da trança da garota e enfiei no tinteiro, o que por alguns minutos resolveu o meu problema.
Entretanto, para meu desapontamento e desespero, a garota balançou novamente a cabeça e a trança saiu  para fora do tinteiro, agora encharcada de tinta azul, manchando não só a minha carteira toda, mas também as  minhas anotações e pasmem, a blusa da minha doce coleguinha.
A menina demorou um pouco para perceber o problema! Mas, ao sentir a sua blusa úmida nas costas, puxou a trança para ver o que havia ocorrido e para sua surpresa manchou também toda a frente da blusa. Vendo essa cena patética, eu  fiquei completamente estarrecido, sem ação, com medo das consequências que essa traquinagem poderia me causar.
A garota, vendo a sua blusa toda manchada, começou a chorar e a gritar desesperadamente! Eu não sabia o que fazer. Senti até vontade de sair pela janela, não estivesse à sala de aula no segundo andar do prédio. Agora eu não via mais alternativa e o desespero havia tomado conta de mim.

Vindo rapidamente ao encontro da garota, a professora procurava a todo o custo acalmá-la, perguntando o que havia ocorrido!  Mas, ninguém, nem a própria garota que estava ensopada de tinta sabia ao certo o que havia acontecido. Eu estava completamente mudo!  Foi nessa hora que a menina ao meu lado (a mesma que me havia emprestado o lápis), desatou a chorar e contou para a professora o que tinha ocorrido com detalhes!
A partir desse momento, já com o problema praticamente esclarecido, a professora nos conduziu à Diretoria do Grupo Escolar, como era norma na época.
O Diretor, um homem considerado muito enérgico, demorou aproximadamente vinte minutos para nos chamar e posso assegurar que foram os minutos mais longos da minha vida! Entramos na Sala da Diretoria e ficamos frente a frente com o Diretor que nos pediu para sentar! Pausadamente,  ele quis ouvir primeiro  a professora! Essa esclareceu o fato com detalhes, mas de uma forma simpática e humana defendeu-nos dizendo que apesar do ocorrido, ela tinha uma estima por nós três, pois éramos considerados bons alunos, disciplinados e com boas notas.
Muito embora a defesa da professora, o Diretor chamou a sua secretária, pedindo que redigisse uma advertência por escrito ao culpado pela ocorrência, no caso eu! Fez algumas observações rápidas sobre o fato, dispensando a professora juntamente com a menina que tinha sido vitimada e com a outra garota que presenciara o fato.
Quando percebi que eu não havia sido dispensado, logo pensei: sobrou pra mim!
O Diretor, durante alguns segundos, já com a advertência em mãos, olhou-me com um olhar crítico e disse: leve esta carta para que seu pai leia e assine juntamente com a sua mãe, e quero todos aqui amanhã cedo! Em seguida dispensou-me também, sem maiores alegações.
Apesar de ter ficado perplexo pela frieza com que o assunto foi conduzido, atendi ao pedido do Diretor e fui embora para casa! Ao chegar lá, minha mãe me recebeu com um beijo, mas quis saber a razão de eu ter voltado para casa antes do término das aulas. Amedrontado com as consequências do meu ato, contei a minha mãe o fato como tinha acontecido sem nada omitir e entreguei-lhe a carta enviada pelo Diretor. Como a carta estava endereçada ao meu pai, minha mãe achou por bem aguardá-lo, para que ele mesmo abrisse o envelope!
Aquela noite demorou a chegar, e o meu nervosismo aumentava a cada minuto! Lá pelas 19 horas, meu pai chegou! Antes de qualquer coisa, minha mãe colocou a mesa do jantar, chamou meu pai e sentaram-se à mesa! Eu e meus irmãos, já havíamos jantado às 18 horas como era de costume. Durante o jantar, minha mãe (eu escutando atrás da porta) relatou ao meu pai o acontecido, e em seguida entregou-lhe a carta do Diretor. Meu pai (em silêncio absoluto) leu  a carta duas vezes e a entregou à minha mãe. Depois disso, chamou-me em voz alta e pediu que eu me sentasse à mesa! Obedeci, prontamente!
Dirigindo-se a mim meu pai falou: Isso tudo que a mamãe contou é verdade? Eu imediatamente disse: sim!  Dai meu pai continuou: você não sente vergonha desse seu procedimento? Você já é um garoto grande e pensei que fosse suficientemente responsável para não agir dessa forma! No entanto vou lhe dar uma chance para se explicar, vamos lá!  Eu então retruquei: - mas papai, eu não tenho como dar  explicações, pois na realidade fiquei nervoso com a trança da menina e agi daquela forma como uma maneira de resolver o problema. No entanto, posso lhe assegurar que estou arrependido pelo acontecido, e não vejo como voltar atrás.
Meu pai, calmamente exclamou! - Olha filho eu vejo uma maneira cordial de remediar essa situação. Você precisará usar da sua humildade e deverá pedir desculpas à menina e aos pais dela. Tenho absoluta certeza que se você conseguir agir dessa forma, tudo voltará ao normal na escola e na sua vida.
Apesar de sentir-me envergonhado, acabei por aceitar o conselho do meu pai, e depois de um telefonema, fomos à casa da garota vitimada! Já eram quase 21 horas quando, na presença dos pais da menina, pedi desculpas e fui percebendo que  o relacionamento que estava abalado, voltou a se tornar cordial, pois meu pai ofereceu-se até para comprar uma nova blusa branca pra garota usar na escola.
No dia seguinte, eu, meu pai e minha mãe, seguimos para a escola logo cedo para cumprir o pedido do Diretor do Grupo. Lá chegando, meu pai com a advertência devidamente assinada entregou-a ao Diretor procurando demonstrar ao mesmo que aquele fato não mais se repetiria. Por outro lado contou-lhe também sobre o pedido de desculpas que eu havia feito à menina e a seus pais, o que foi motivo de elogio por parte dele.
Nessa mesma manhã, meu pai procurou também a professora de desenho, contou-lhe tudo o que havíamos feito para amenizar a situação, pedindo a ela que  me perdoasse pelo ato impensado.
Desta forma, graças a maneira cordial, amiga e racional, com que meu pai conduziu o problema, a minha situação na escola permaneceu normal sem inimizades e nem constrangimentos. No meu modo de pensar foi  uma  atitude exemplar, de um pai verdadeiro e sensato!

HAMILCAR MARQUES – 30/11/2013.







2 comentários:

  1. Rubens Trevisan comentou no mural:Muitos pais, nos dias de hoje, iriam brigar com o diretor, com a professora e teriam dado razão à sua ação em virtude da chatice da menina. Naquela época a disciplina nas salas de aula, era questão primordial para a educação das crianças. Parabéns Hamilcar pelo texto. Um abraço!

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  2. Sylvana Marques comentou: Adorei a história! Realmente, a lição que seu pai lhe ensinou foi a melhor possível! Parabéns a ele pela sabedoria e ao senhor, pela humildade!

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