Eu devia
ter na época, meus nove anos de idade e era levado da breca! Estava cursando o
Grupo Escolar, próximo a minha residência!
A classe
era mista, e eu me sentava atrás de uma menina loirinha que usava uma trança na
altura da cintura. Como era costume, todos os alunos vestiam uniformes. O
uniforme dos meninos era um composto de blusa branca e calça curta azul-marinho
e o das meninas blusas brancas e saias azul-marinho.
A menina
que sentava na minha frente, era muito dengosa, e ao sentar-se jogava a trança
para trás. Não bastasse isso, ela ficava o tempo todo da aula balançando a
cabeça e a trança, na maioria das vezes, resvalava meu rosto, ou ficava em cima do caderno onde eu fazia as
minhas anotações.
As
carteiras escolares antigamente tinham um lugar na parte de cima onde o aluno
podia colocar o lápis e a caneta e, além disso, outro lugar embutido na
carteira, que tinha um tinteiro de vidro com tinta azul escura para usar caneta
de pena, principalmente nas aulas de desenho!
Como a
trança da menina me atrapalhava muito e eu já havia pedido a ela diversas vezes
que não atirasse a trança para trás, comecei a pensar uma maneira de solucionar
o problema sem apelar para os professores.
Certo dia,
eu não estava nos meus melhores momentos! Havia discutido com a minha mãe, e estava
bastante irritado.
Ao chegar
à sala de aula e sentar na minha carteira, a garota imediatamente jogou sua
trança para trás atingindo meus lápis, apontados com esmero, que caíram no chão
quebrando suas pontas. Muito embora chateado com o acontecido, abaixei,
recolhendo os dois lápis. A coleguinha do meu lado, compadecida do acontecido,
gentilmente me emprestou um lápis apontado para que eu pudesse fazer as minhas
anotações durante a aula.
Passados
alguns minutos, a menina balançou novamente a trança numa atitude
provocativa. Quase que o meu lápis
emprestado foi para o chão! Dai,
transtornado com o acontecido, e num gesto impensado peguei a ponta da trança da garota e enfiei no tinteiro, o que por alguns
minutos resolveu o meu problema.
Entretanto,
para meu desapontamento e desespero, a garota balançou novamente a cabeça e a
trança saiu para fora do tinteiro, agora
encharcada de tinta azul, manchando não só a minha carteira toda, mas também
as minhas anotações e pasmem, a blusa da
minha doce coleguinha.
A menina
demorou um pouco para perceber o problema! Mas, ao sentir a sua blusa úmida nas
costas, puxou a trança para ver o que havia ocorrido e para sua surpresa
manchou também toda a frente da blusa. Vendo essa cena patética, eu fiquei completamente estarrecido, sem ação,
com medo das consequências que essa traquinagem poderia me causar.
A garota,
vendo a sua blusa toda manchada, começou a chorar e a gritar desesperadamente!
Eu não sabia o que fazer. Senti até vontade de sair pela janela, não estivesse à
sala de aula no segundo andar do prédio. Agora eu não via mais alternativa e o
desespero havia tomado conta de mim.
Vindo
rapidamente ao encontro da garota, a professora procurava a todo o custo
acalmá-la, perguntando o que havia ocorrido! Mas, ninguém, nem a própria garota que estava
ensopada de tinta sabia ao certo o que havia acontecido. Eu estava completamente
mudo! Foi nessa hora que a menina ao meu
lado (a mesma que me havia emprestado o lápis), desatou a chorar e contou para
a professora o que tinha ocorrido com detalhes!
A partir
desse momento, já com o problema praticamente esclarecido, a professora nos
conduziu à Diretoria do Grupo Escolar, como era norma na época.
O Diretor,
um homem considerado muito enérgico, demorou aproximadamente vinte minutos para
nos chamar e posso assegurar que foram os minutos mais longos da minha vida!
Entramos na Sala da Diretoria e ficamos frente a frente com o Diretor que nos
pediu para sentar! Pausadamente, ele quis ouvir primeiro a professora! Essa esclareceu o fato com
detalhes, mas de uma forma simpática e humana defendeu-nos dizendo que apesar
do ocorrido, ela tinha uma estima por nós três, pois éramos considerados bons
alunos, disciplinados e com boas notas.
Muito
embora a defesa da professora, o Diretor chamou a sua secretária, pedindo que redigisse
uma advertência por escrito ao culpado pela ocorrência, no caso eu! Fez algumas observações rápidas sobre o fato,
dispensando a professora juntamente com a menina que tinha sido vitimada e com
a outra garota que presenciara o fato.
Quando
percebi que eu não havia sido dispensado, logo pensei: sobrou pra mim!
O Diretor,
durante alguns segundos, já com a advertência em mãos, olhou-me com um olhar
crítico e disse: leve esta carta para que seu pai leia e assine juntamente com
a sua mãe, e quero todos aqui amanhã cedo! Em seguida dispensou-me também, sem
maiores alegações.
Apesar de
ter ficado perplexo pela frieza com que o assunto foi conduzido, atendi ao
pedido do Diretor e fui embora para casa! Ao chegar lá, minha mãe me recebeu
com um beijo, mas quis saber a razão de eu ter voltado para casa antes do
término das aulas. Amedrontado com as consequências do meu ato, contei a minha
mãe o fato como tinha acontecido sem nada omitir e entreguei-lhe a carta
enviada pelo Diretor. Como a carta estava endereçada ao meu pai, minha mãe
achou por bem aguardá-lo, para que ele mesmo abrisse o envelope!
Aquela
noite demorou a chegar, e o meu nervosismo aumentava a cada minuto! Lá pelas 19
horas, meu pai chegou! Antes de qualquer coisa, minha mãe colocou a mesa do
jantar, chamou meu pai e sentaram-se à mesa! Eu e meus irmãos, já havíamos
jantado às 18 horas como era de costume. Durante o jantar, minha mãe (eu escutando atrás da porta) relatou ao
meu pai o acontecido, e em seguida entregou-lhe a carta do Diretor. Meu pai (em
silêncio absoluto) leu a carta duas
vezes e a entregou à minha mãe. Depois disso, chamou-me em voz alta e pediu que
eu me sentasse à mesa! Obedeci,
prontamente!
Dirigindo-se
a mim meu pai falou: Isso tudo que a mamãe contou é verdade? Eu imediatamente
disse: sim! Dai meu pai continuou: você
não sente vergonha desse seu procedimento? Você já é um garoto grande e pensei
que fosse suficientemente responsável para não agir dessa forma! No entanto vou
lhe dar uma chance para se explicar, vamos lá! Eu então retruquei: - mas papai, eu não tenho
como dar explicações, pois na realidade
fiquei nervoso com a trança da menina e agi daquela forma como uma maneira de
resolver o problema. No entanto, posso lhe assegurar
que estou arrependido pelo acontecido, e não vejo como voltar atrás.
Meu pai,
calmamente exclamou! - Olha filho eu vejo uma maneira cordial de remediar essa
situação. Você precisará usar da sua humildade e deverá pedir desculpas à
menina e aos pais dela. Tenho absoluta certeza que se você conseguir agir dessa
forma, tudo voltará ao normal na escola e na sua vida.
Apesar de
sentir-me envergonhado, acabei por aceitar o conselho do meu pai, e depois de
um telefonema, fomos à casa da garota vitimada! Já eram quase 21 horas quando,
na presença dos pais da menina, pedi desculpas e fui percebendo que o relacionamento que estava abalado, voltou a
se tornar cordial, pois meu pai ofereceu-se até para comprar uma nova blusa
branca pra garota usar na escola.
No dia
seguinte, eu, meu pai e minha mãe, seguimos para a escola logo cedo para
cumprir o pedido do Diretor do Grupo. Lá chegando, meu pai com a advertência
devidamente assinada entregou-a ao Diretor procurando demonstrar ao mesmo que
aquele fato não mais se repetiria. Por outro lado contou-lhe também sobre o
pedido de desculpas que eu havia feito à menina e a seus pais, o que foi motivo
de elogio por parte dele.
Nessa
mesma manhã, meu pai procurou também a professora de desenho, contou-lhe tudo o
que havíamos feito para amenizar a situação, pedindo a ela que me perdoasse pelo ato impensado.
Desta
forma, graças a maneira cordial, amiga e racional, com que meu pai conduziu o
problema, a minha situação na escola permaneceu normal sem inimizades e nem
constrangimentos. No meu modo de pensar foi uma
atitude exemplar, de um pai verdadeiro e sensato!
HAMILCAR
MARQUES – 30/11/2013.